O dinheiro pode ser equiparado à ‘amostra grátis’? Entenda o que a lei determina.

A norma em debate afirma que é proibido ao provedor de bens ou serviços, entre outras práticas injustas, enviar ou entregar ao comprador, sem solicitação prévia, qualquer item ou fornecer qualquer assistência.

O tema ainda desperta interesse, decorrente de possíveis incertezas acerca da aplicação – ou não – da norma contida no artigo 39, III e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. Tais incertezas, entretanto, acabam sendo dissipadas diante do conceito de amostra gratuita e da necessidade de aplicação do princípio da boa-fé objetiva (artigos 422 do Código Civil e 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor), envolvendo os deveres de honestidade, lealdade e informação.

A questão inicial a ser abordada é compreender o conceito de amostra gratuita.

Ao se extrair de um dos mais disputados sites da internet em que consistiria a amostra gratuita, identificamos que: ‘Uma amostra gratuita ou “brinde” é uma porção de alimento ou outro produto (por exemplo, produtos de beleza) dada aos consumidores em shoppings, supermercados, lojas ou por outros canais (como via Internet). O objetivo de uma amostra gratuita é familiarizar o consumidor com um novo produto, e é semelhante ao conceito de um teste drive, no sentido de que o cliente pode experimentar um produto antes de comprá-lo’.

Já de acordo com o artigo 54, III, do decreto 7.212/2010, considera-se amostra gratuita: as amostras de produtos para distribuição gratuita, de diminuto ou nenhum valor comercial, assim considerados os fragmentos ou partes de qualquer mercadoria, em quantidade estritamente necessária para dar a conhecer a sua natureza, espécie e qualidade.

Em outras palavras, o conceito aplicável à amostra gratuita é de algo pequeno, estrategicamente oferecido a um nicho pré-determinado de (potenciais) clientes, com o intuito de experimentação, visando obter retorno econômico.

Esse conceito poderia ser aplicado ao dinheiro, invocando a regra do Código de Defesa do Consumidor? O dinheiro pode ser ‘experimentado’? As respostas parecem ser negativas. Mas como se chega a essa conclusão?

A norma em debate afirma que é proibido ao fornecedor de bens ou serviços, entre outras práticas injustas, enviar ou entregar ao comprador, sem solicitação prévia, qualquer item ou fornecer qualquer assistência. Daí que os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao comprador, nessas circunstâncias, assemelham-se às amostras gratuitas, não existindo obrigação de pagamento.

Identifica-se, portanto, que apenas os produtos e serviços, enviados de forma abusiva (que precisaria ser comprovada) e sem solicitação, podem ser assemelhados. E, acredito, mesmo que enquadrados no conceito pelo menos aproximado de amostra gratuita, para que haja uma mínima sustentação lógico-jurídica à possibilidade de assemelhação.

Sigamos, então, em direção ao ponto crucial.

Seria ético (e legal) que um indivíduo não reembolsasse uma certa quantia recebida em sua conta, mesmo sem solicitação, alegando ser uma ‘amostra gratuita’? A resposta predominante nos Tribunais indica que a restituição deve ser efetuada, fundamentada em diversas razões.

A primeira delas reside precisamente na aplicação da boa-fé objetiva, evitando, assim, o enriquecimento indevido. Invertemos a pergunta anterior: por que uma pessoa que recebeu, sem solicitar, uma certa quantia em sua conta deveria retê-la, se não contribuiu para tal aumento patrimonial? Nossa legislação veda o enriquecimento indevido.

A segunda razão está na aplicação dos institutos da supressão e do venire contra factum proprium, cada vez mais utilizados atualmente. As demandas judiciais frequentemente envolvem eventos ocorridos há bastante tempo. Em outras palavras, tanto seria possível contestar anteriormente, alegando não ter solicitado a quantia recebida, quanto seria apropriado não utilizá-la. Comportar-se de maneira contrária a essas hipóteses inverte a situação, podendo ser considerado aceitação tácita e até mesmo obscurecendo eventual erro cometido por quem depositou.

Não faria sentido, por exemplo, que um cliente de longa data de uma empresa recebesse um determinado bem, mesmo sem solicitar, o utilizasse, pagasse parcial ou totalmente por ele, e, após meses, recorresse ao Poder Judiciário alegando que não solicitou e solicitando a restituição (em dobro) do valor pago.

A terceira razão reside na falta de cautela em identificar se aquela quantia pertence ou não ao indivíduo. Isso, convenhamos, é muito fácil de fazer. Utilizar apenas o que, de fato, pertence a você. Isso reflete a integridade tão disseminada anteriormente – e que, infelizmente, tem se perdido nos dias de hoje. A música popular brasileira, exemplificada na canção interpretada por Ana Carolina, aborda esse tema de maneira sublime ao dizer que ‘A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam – Não roubarás! – Devolva o lápis do coleguinha! – Esse apontador não é seu, minha filha!’ A letra de ‘Só de sacanagem’ é concluída da seguinte forma: ‘Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar pra mudar o final.’

Existe mais uma razão apontada pelo Poder Judiciário, a qual se baseia no artigo 876 do Código Civil, referindo-se à obrigação de restituir o que foi recebido e não era devido. É verdade que essa regra trata do instituto do pagamento indevido, que remonta aos tempos do Direito Romano, quando a vítima dispunha da Ação denominada condictio indebiti para ser restituída do que indevidamente havia pago. No entanto, isso se aplica igualmente à situação, pois a pessoa que recebeu não tinha qualquer direito sobre aquele recurso. O Superior Tribunal de Justiça há muito tempo já se posicionou sobre esse assunto.

Como observado, o tema já foi objeto de diversas decisões, e embora ainda suscite curiosidade, não possui dimensão suficiente – pelo menos dentro do que o nosso ordenamento jurídico protege – para se distanciar da inquestionável necessidade de evitar o enriquecimento indevido e o comportamento contraditório, aplicando-se, sempre, a boa-fé.

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